quarta-feira, 6 de maio de 2009

Entrevista Com Mahmoud Ahmadinejad


Abaixo a excelente entrevista com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad concedida à revista alemã Der Spiegel.

Spiegel: Presidente, até agora o senhor viajou para os Estados Unidos quatro vezes para comparecer à Assembléia Geral das Nações Unidas.Qual é a sua impressão dos EUA e dos norte-americanos?

Ahmadinejad: Em nome de Deus, o Misericordioso, o Compassivo, tenho prazer de recebê-los em Teerã mais uma vez, depois de nossa extensa conversa há quase três anos. Agora sobre os EUA: É claro, é impossível conhecer um país como os Estados Unidos em algumas visitas curtas, mas meu discurso e as discussões na Universidade de Columbia foram muito especiais para mim. Tenho muita consciência de que deve-se fazer uma distinção entre o governo americano e o povo americano. Nós não responsabilizamos os americanos pelas decisões equivocadas do governo Bush. Eles querem viver em paz, como todos nós.

Spiegel: O novo presidente dos EUA, Barack Obama, enviou uma mensagem em vídeo para a nação iraniana há três semanas, durante o festival de Ano Novo iraniano. O senhor assistiu ao discurso?

Ahmadinejad: Sim. Coisas importantes estão acontecendo nos Estados Unidos. Acredito que os americanos estejam no processo de iniciar desenvolvimentos importantes.

Spiegel: Como o senhor se sentiu em relação ao discurso?

Ahmadinejad: Ambivalente. Algumas passagens eram novas, enquanto outras repetiam posições já bem conhecidas. Achei surpreendente que Obama tenha dado um valor tão alto para a civilização iraniana, nossa história e cultura. Também é positivo o fato de ele ter enfatizado o respeito mútuo e as interações honestas como base para a cooperação.Em uma parte de seu discurso, ele diz que uma nação no mundo não depende apenas de armas e força militar, foi exatamente isso o que dissemos para os governos americanos anteriores. O grande erro de George W. Bush foi que ele queria resolver todos os problemas militarmente. Já se foram os dias em que um país podia enviar ordens para outros povos. Hoje, a humanidade precisa de cultura, ideias e lógica.

Spiegel: O que isso significa?

Ahmadinejad: Sentimos que Obama precisa transformar suas palavras em ações.

Spiegel: O novo presidente dos EUA, apesar de ter chamado de "repugnantes" as críticas anti-israelenses agressivas feitas pelo senhor, ainda assim falou de um novo começo nas relações com o Irã e estendeu suas mãos.

Ahmadinejad: Eu não entendi os comentários de Obama exatamente assim. Presto atenção ao que ele diz hoje. Mas é por isso mesmo que eu vejo que falta algo de decisivo. O que o leva a falar sobre um novo começo? Aconteceu alguma mudança na política americana? Nós recebemos bem as mudanças, mas elas ainda têm de ocorrer.

Spiegel: O senhor está constantemente fazendo demandas. Mas a verdade é: suas políticas, as relações desastrosas do Irã com os Estados Unidos, são um peso para a comunidade global e uma ameaça para a paz mundial. Onde está a sua contribuição para aliviar as tensões?

Ahmadinejad: Eu já expliquei isso para você. Apoiamos as conversações com base na justiça e no respeito. Essa sempre foi nossa posição. Estamos esperando que Obama anuncie seus planos, para que possamos analisá-los.

Spiegel: E é só?

Ahmadinejad: Temos que esperar e ver o que Obama quer fazer.

Spiegel: O mundo vê de forma diferente, e nós também. O Irã precisa agir. O Irã precisa mostrar que tem boa vontade.

Ahmadinejad: Onde fica esse mundo do qual você está falando? O que nós temos que fazer? Você está ciente de que não fomos nós que cortamos relações com os Estados Unidos. Os Estados Unidos cortaram relações conosco. O que você espera do Irã agora?

Spiegel: Atitudes concretas, ou pelo menos um gesto de sua parte.

Ahmadinejad: Eu já respondi a essa pergunta. Washington cortou relações.

Spiegel: O senhor está dizendo que receberia bem uma retomada das relações com os Estados Unidos?

Ahmadinejad: O que você acha? O que deve acontecer? Qual abordagem é a correta?

Spiegel: O mundo espera respostas do senhor, não de nós.

Ahmadinejad: Mas eu enviei uma mensagem para o novo presidente dos EUA. Foi um grande passo, um passo imenso. Eu o parabenizei por sua vitória nas eleições, e disse algumas coisas em minha carta. Isso foi feito com cuidado. Nós estávamos e continuamos interessados em mudanças significativas. Se quisermos resolver o problema entre nossos países, é importante reconhecer que o Irã não exerceu um papel no desenvolvimento desse problema. O comportamento dos governos americanos foi a causa. Se o comportamento dos Estados Unidos mudar, podemos esperar um progresso importante...

Spiegel: ... isso poderia levar à retomada de relações diplomáticas, talvez até à reabertura da embaixada, que foi ocupada em 1979, ano da revolução?

Ahmadinejad: Ainda não recebemos um pedido oficial nesse sentido. Se isso acontecer, tomaremos uma posição sobre o assunto. Esta não é uma questão de forma. Mudanças fundamentais precisam acontecer, para beneficiar todos os envolvidos. O governo americano precisa finalmente aprender lições com o passado.

Spiegel: E o senhor não?

Ahmadinejad: Todos precisam aprender com o passado.

Spiegel: Então, por favor, nos diga quais lições o senhor está aprendendo.

Ahmadinejad: Estivemos sob pressão durante os últimos 30 anos, injustamente e sem que tivéssemos cometido erros. Nós não fizemos nada...

Spiegel: ...de acordo com o senhor. Os americanos veem as coisas de um jeito bem diferente. A crise dos reféns de 444 dias, durante a qual 50 cidadãos americanos foram detidos no final de 1979 até o começo de 1981 na embaixada americana em Teerã, ainda hoje é um trauma coletivo americano.

Ahmadinejad: Mas pense nas coisas que foram feitas aos iranianos! Nós fomos atacados pelo Iraque. Foram oito anos de guerra. Os Estados Unidos e alguns países europeus apoiavam essa agressão. Nós fomos atacados até mesmo com armas químicas e o seu país, entre outros, ajudou e encorajou esses ataques. Nós não cometemos uma injustiça com ninguém. Não queríamos atacar ninguém, nem ocupamos outros países. Não temos presença militar na Europa ou nos EUA. Mas as tropas da Europa e dos EUA estão estacionadas ao longo de nossas fronteiras.

Spiegel: Os governos ocidentais, incluindo o da Alemanha, estão convencidos de que o Irã apoia organizações terroristas e de que o Irã teve dissidentes mortos no exterior. Talvez os erros não tenham sido cometidos apenas por um lado...

Ahmadinejad: Você quer dizer que as tropas foram colocadas ao longo de nossas fronteiras porque nós supostamente apoiamos organizações terroristas?

Spiegel: Nós não dissemos nem concluímos isso. Mas a acusação de apoio ao terrorismo foi feita. Onde está sua contribuição construtiva?

Ahmadinejad: Antes de mais nada: nós não praticamos o terror, mas somos vítimas dele. Depois da revolução, nosso presidente e primeiro-ministro foram mortos num ataque a bomba no prédio adjacente ao meu gabinete. Nossa fé proíbe que nos engajemos no terrorismo. E no que diz respeito às contribuições construtivas que nos cobram, nós contribuímos com a estabilização tanto do Afeganistão quanto do Iraque nos últimos anos. Enquanto fazíamos essas contribuições, o governo Bush nos acusou de fazer o oposto. Você acredita que os problemas podem ser resolvidos com força militar e invasão? A estratégia empregada pelos EUA e pela Otan não estava errada desde o princípio? Nós sempre dissemos que essa não é a maneira de lutar contra os terroristas. Hoje eles estão mais fortes do que nunca.

Spiegel: Mais uma vez, não vemos evidência de nenhuma autocrítica.

Ahmadinejad: Então porque você não me diz quais são os erros que nós supostamente cometemos. Não temos interesse num acerto de contas histórico.

Spiegel: O senhor não está insistindo que os americanos peçam desculpas pelo golpe da CIA em 1953 contra o primeiro-ministro iraniano eleito Mohammed Mossadegh?

Ahmadinejad: Nós não queremos nos vingar. Só queremos que os americanos corrijam seu curso. Você vê de fato algum sinal de que isso esteja acontecendo?

Spiegel: Sim, vemos. George W. Bush declarou que o Irã era um integrante do Eixo do Mal e ameaçou Teerã, pelo menos indiretamente, com uma mudança de regime. Não há mais nenhuma menção a isso no governo Obama.

Ahmadinejad: Há mudanças na escolha da linguagem. Mas não é suficiente. Durante os últimos 30 anos, a Alemanha e outros países europeus estiveram sob pressão dos americanos para não melhorarem suas relações com Teerã. É o que todos os estadistas europeus nos dizem.

Spiegel: Foi isso o que o ex-chanceler alemão Gerhard Schröder disse quando o senhor se encontrou com ele em Teerã em fevereiro?

Ahmadinejad: Sim, ele disse isso, entre outras coisas. Agora esperamos ver ações concretas. Isso é bom para todos, mas é especialmente benéfico para os Estados Unidos, porque a posição americana no mundo não é exatamente boa. Ninguém confia nas palavras dos americanos.


Spiegel: É verdade que a reputação dos EUA no mundo sofreu com o presidente George W. Bush. Mas com todo o respeito, presidente, a reputação do Irã também sofreu tremendamente durante seu tempo de governo.


Ahmadinejad: Onde? Com quem? Com os que estão no poder ou com o povo? Com que povo e com que governos? Durante os mais de três anos que estou no governo, visitei mais de 60 países, onde fui recebido com grande afeição tanto pelo povo nas ruas quanto pelos que estão no governo. Temos o apoio de 118 países do Movimento Não-Alinhado. Concordo que nossa reputação junto ao governo americano e a alguns governos europeus não é positiva. Mas isso é problema deles. Todos os povos estão fartos do governo americano.

Spiegel: Mas o senhor não está nem mesmo dando uma chance ao novo governo. Sua atitude é caracterizada pela falta de confiança.

Ahmadinejad: Nós falamos de Barack Obama com muito respeito. Mas somos realistas. Queremos ver mudanças concretas. Nesse contexto, também estamos interessados em ajudar a corrigir uma política equivocada no Afeganistão.

Spiegel: O que o senhor propõe fazer?

Ahmadinejad: Veja, mais de US$ 250 bilhões foram gastos na campanha militar no Afeganistão até hoje. Com uma população de 30 milhões, isso chega a mais de US$ 8 mil por pessoa, ou cerca de US$ 42 mil para uma família média de cinco pessoas. Fábricas e estradas poderiam ter sido construídas, universidades criadas e campos cultivados para o povo afegão. Se isso tivesse acontecido, será que haveria algum espaço para os terroristas? É preciso agir na raiz do problema, e não nos galhos. A solução para o Afeganistão não é militar, mas humanitária. É do interesse do Ocidente nos ouvir, e se não o fizerem, nós lavamos nossas mãos em relação ao assunto. Somos apenas observadores. Nós lamentamos profundamente a perda de vidas humanas, não importa quais vidas foram tiradas. Isso vale tanto para os civis afegãos quanto para as forças militares que intervieram no país.

Spiegel: Isso soa como se o senhor não tivesse nenhum interesse em ajudar os americanos e a Otan a lutar contra o Taleban. Obama coloca mais ênfase na reconstrução civil, mas ele também acredita que é preciso usar a força militar para lidar com os radicais que querem atrapalhar essa reconstrução.

Ahmadinejad: Nesse momento, digo para você que a nova política de Obama está errada. Os americanos não têm familiaridade com a região, e a percepção dos comandantes da Otan está equivocada. Digo isso na condição de um professor treinado: isso está errado. Pelo menos no que diz respeito aos US$ 250 bilhões - se o dinheiro tivesse sido gasto nos EUA, talvez tivesse resolvido o problema do desemprego, pelo menos em parte. E talvez hoje não houvesse crise econômica.

Spiegel: O senhor está seriamente insistindo que os EUA se retirem da região?

Ahmadinejad: É preciso ter um plano, é claro. Uma retirada só pode ser feita com várias medidas. É preciso que seja acompanhada por outras ações simultâneas, como um fortalecimento do governo regional. Você sabe que a produção de narcóticos cresceu cinco vezes durante o comando da Otan no Afeganistão? Narcóticos! Isso mata gente. Perdemos mais de 3.300 pessoas na guerra contra o tráfico de drogas. Nossa força policial se sacrificou ao defender nossa fronteira de mil quilômetros com o Afeganistão.

Spiegel: O Irã sempre se opôs ao Taleban. Mas o retorno deles ao poder não pode ser evitado sem a força militar.

Ahmadinejad: O poder deve ser dado ao povo. Isso requer ajuda econômica, além de um processo político claro. O governo afegão deveria ter recebido mais responsabilidade nos últimos sete anos. O presidente Hamid Karzai disse para mim uma vez: eles não permitem que façamos nosso trabalho.

Spiegel: Todos, incluindo os americanos, enfatizam que as pessoas precisam ser respeitadas. Obama e a Otan concordaram com uma lista abrangente de medidas para o Afeganistão e estão contando com o apoio do Irã a essas medidas, em prol de um Afeganistão estável. O senhor tem a intenção de recusar qualquer cooperação?

Ahmadinejad: Acredito que o caminho diplomático seja a abordagem correta para avaliar uma opção como essa. Vocês são jornalistas, não representantes da Otan, é por isso que não vou explicar minha posição em relação a isso. Se recebermos um pedido por meio dos canais diplomáticos, responderemos.

Spiegel: Mas alguns políticos em Teerã temem o contato com os EUA. De acordo com oficiais norte-americanos, o vice-ministro de exterior do Irã, Mohammed Mehdi Ahundzadeh, cumprimentou o enviado especial dos EUA Richard Holbrooke na conferência sobre o Afeganistão em Haia na semana passada, mas depois o ministro de exterior negou veementemente o encontro. Como podemos confiar em sua disposição para cooperar se um inofensivo aperto de mão representa um problema para vocês?

Ahmadinejad: Não acho que isso seja de fato relevante. Um aperto de mão, uma gentileza, isso não é um problema a meu ver.

Spiegel: O senhor está minimizando o fato. Mas talvez haja mais coisas por trás de um aperto de mão que causem tumulto. Talvez seja um símbolo de quão profunda é a rixa entre Teerã e Washington - e do fato de que vocês estão de fato indispostos a se acertar com seu favorito arqui-inimigo.

Ahmadinejad: Naturalmente, não podemos esperar que problemas que surgiram durante mais de meio século sejam resolvidos em apenas alguns dias. Não somos obstinados nem ingênuos. Somos realistas. O importante é a determinação de fazer melhorias. Se a atmosfera muda, é possível encontrar soluções.

Spiegel: O senhor, assim como os americanos, faz uma distinção entre o Taleban incorrigível que deve ser combatido, e o Taleban moderado, com o qual é possível manter um diálogo?

Ahmadinejad: Eu não me aventuraria a um veredicto conclusivo sobre esse aspecto. Eu não sei o que isso significa. Não se esqueça, o povo afegão tem laços históricos estreitos com o Irã. Mais de três milhões de cidadãos afegãos vivem no nosso país. E como também somos amigáveis com os alemães, eu repito: uma presença militar mais forte não é a solução.

Spiegel: O senhor está preocupado com os soldados alemães no Afeganistão?

Ahmadinejad: Nós também gostamos dos alemães. Estamos preocupados.

Spiegel: E ainda assim o senhor ignora as consequências.

Ahmadinejad: Não. Se algo nos é explicado de uma maneira lógica, nós aceitamos. Nós negociamos com os americanos no Iraque, ainda que isso fosse contra o nosso princípio básico de não falar com os americanos. Fizemos isso por causa do problema em questão, dentro do contexto da lógica clara.

Spiegel: Se as tropas americanas se retirarem do Iraque, a situação de segurança provavelmente irá se deteriorar dramaticamente. Vocês irão preencher o vácuo de poder no vizinho Iraque, onde seus colegas xiitas somam dois terços da população? Vocês defendem o estabelecimento de uma teocracia, uma República Islâmica do Iraque?

Ahmadinejad: Acreditamos que o povo iraquiano é capaz de cuidar de sua própria segurança. O povo iraquiano tem uma civilização com mais de mil anos de história. Nós apoiaremos o que quer que os iraquianos decidam fazer e qualquer forma de governo que escolherem. Um Iraque soberano, unido e forte é benéfico para todos. Nós receberíamos bem isso.

Spiegel: Os serviços de inteligência americanos concluíram que Teerã desempenha um papel totalmente diferente no Iraque. A CIA alega que o Irã está incitando a resistência às tropas através das milícias xiitas.

Ahmadinejad: Não prestamos atenção aos relatórios dos serviços de inteligência americanos. Os americanos ocuparam o Iraque e são responsáveis por sua segurança. No passado, eles quiseram desviar a atenção de seus próprios erros culpando-nos pela agitação. Eles precisam corrigir os próprios erros. As coisas melhoraram para os americanos desde que eles reconheceram isso e começaram a respeitar o povo iraquiano. Nossas relações com Bagdá são muito próximas. Nós apoiamos totalmente o governo iraquiano. Como sempre, nossas políticas são totalmente transparentes.

Spiegel: O senhor se opõe às nações mais importantes do mundo em um dos principais conflitos internacionais. O Irã é altamente suspeito de construir uma bomba nuclear sob o pretexto de realizar pesquisas civis. Apenas recentemente, o presidente Obama alertou quanto a esse perigo real durante visita à Europa. Existem quatro resoluções da ONU pedindo que o Irã pare com suas atividades de enriquecimento de urânio. Porque o senhor não atende a esses pedidos de uma vez por todas?

Ahmadinejad: O que você quer dizer com isso?

Spiegel: Presidente, queremos dizer que o mundo está esperando um sinal de vocês, que estamos esperando um sinal. Por que o senhor não suspende o enriquecimento de urânio, pelo menos temporariamente, estabelecendo assim o alicerce para o começo de negociações sérias?

Ahmadinejad: Essas discussões estão ultrapassadas. O tempo para isso já foi. Os 118 membros do Movimento Não-Alinhado nos apoiam unanimemente, assim como os 57 Estados membros da Organização da Conferência Islâmica. Se eliminarmos a duplicação entre os dois grupos, temos 125 países que estão ao nosso lado. Se poucos países se opõem a nós, você certamente não pode afirmar que é o mundo inteiro.

Spiegel: Estamos falando da Europa e dos Estados Unidos, não somos apenas um político que quer se encontrar com o senhor. Políticos italianos experientes o evitaram na conferência da ONU em Roma no ano passado.

Ahmadinejad: Nós vemos isso também, é claro. Mas estamos dizendo que a Europa não é o mundo inteiro. Por que você acredita nisso? Além do mais, eu nem mesmo queria encontrar os políticos italianos.

Spiegel: Mesmo que o senhor se recuse a acreditar, o organismo internacional mais importante, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, quase que por unanimidade se opõe ao senhor. Não apenas as potências do Ocidente, mas também a China e a Rússia já aprovaram sanções contra o Irã.

Ahmadinejad: Permita-me esclarecer as coisas, tanto legalmente quanto politicamente. Pelo menos dez membros do Conselho de Segurança da ONU...

Spiegel: ... que inclui, além dos membros permanentes, os EUA, a Rússia, a Grã-Bretanha, França e China, dez representantes eleitos com base num princípio de rotatividade...

Ahmadinejad: ... diseram-nos que só votaram contra nós por causa da pressão americana e britânica. Muitos disseram isso nesta mesma sala. Qual é o valor de um consentimento sob pressão? Consideramos que isso seja legalmente irrelevante. Falando politicamente, acreditamos que este não seja o jeito certo de administrar o mundo. Todos os povos precisam ser respeitados, e precisam ter os mesmos direitos garantidos.

Spiegel: Que direito tem o Irã de se sentir excluído?

Ahmadinejad: Se uma tecnologia é benéfica, todos deveriam tê-la. Se não é, ninguém deveria. Como pode os Estados Unidos terem 5.400 ogivas nucleares e a Alemanha não ter nenhuma? E nós não podemos nem mesmo buscar o uso pacífico da energia nuclear? Nossa lógica é totalmente clara: direitos iguais para todos. A composição do Conselho de Segurança e o veto de seus membros permanentes são consequências da 2ª Guerra Mundial, que terminou há 60 anos. As potências vitoriosas devem continuar dominando a humanidade para sempre, elas devem constituir o governo do mundo? A composição do Conselho de Segurança deve ser mudada.

Spiegel: O senhor se refere à Índia, Alemanha, África do Sul? O Irã também deveria ser um membro permanente do Conselho de Segurança?

Ahmadinejad: Se as coisas fossem feitas com justiça no mundo, o Irã também teria de ser um membro do Conselho de Segurança. Nós não aceitamos a ideia de que um punhado de países veja a si mesmo como os donos do mundo. Eles deveriam abrir os olhos e reconhecer as condições reais.

Spiegel: Essas condições reais incluem sua recusa em abandonar o programa nuclear apesar da pressão internacional. Isso significa que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e seu diretor geral, Mohamed El-Baradei, pode desistir da tarefa de estabelecer negociações com o Irã? O enriquecimento do urânio não será interrompido sob nenhuma circunstância?

Ahmadinejad: Acredito que eles já chegaram a essa conclusão em Vienna. Por que nos tornamos um membro da AIEA? Para que pudéssemos usar a energia para fins pacíficos. Quando um país se torna membro de uma organização internacional, ele só tem deveres, ou também tem direitos? Que assistência recebemos da AIEA? Ela nos forneceu alguma tecnologia ou conhecimento? Não. Mas de acordo com seus estatutos, ela teria de fazer isso. Mas não, simplesmente executou as instruções vindas dos Estados Unidos.

Spiegel: Com todo o respeito, presidente, o Irã escondeu, enganou e deu informações falsas, o que levantou as suspeitas do mundo todo. Infelizmente, a suspeita de que o senhor está abusando de seus direitos e desenvolvendo uma bomba secretamente não foi até agora descartada.

Ahmadinejad: Onde é que nós enganamos? Essa é uma grande mentira! Nós cooperamos com a Agência de Energia Atômica. E além disso, a AIEA não foi fundada para que as potências nucleares se desarmassem? Onde estão os relatórios que documentam quem foi desarmado, e em que extensão? Isso simplesmente não aconteceu. Estamos preocupados, e profundamente desconfiados.

Spiegel: O mundo não confia no senhor, e a maior preocupação do mundo é de que o senhor esteja construindo a bomba, porque se sente cercado de potências nucleares, os Estados Unidos, a Índia e o Paquistão, e não porque Israel possui a bomba.

Ahmadinejad: Não temos interesse em construir uma arma nuclear. Nós enviamos milhares de páginas de relatórios à AIEA e possibilitamos milhares de horas de inspeção. Câmeras da AIEA monitoram nossas atividades. Quem é perigoso, e de quem os inspetores deveriam desconfiar? Daqueles que secretamente construíram a bomba, ou de nós, que cooperamos com a IAEA?

Spiegel: Certamente não se pode falar de uma vontade genuína de cooperar de sua parte. O diretor geral El-Baradei disse isso repetidas vezes em nossas conversas e isso também está documentado em relatórios públicos da AIEA.

Ahmadinejad: Permita-me fazer duas observações finais em relação a essa questão nuclear. Primeiro, enquanto não houver justiça, não poderá haver solução. Não é possível medir o mundo com dois parâmetros - esse foi o grande erro de Bush. Os americanos não deveriam cometer o mesmo erro novamente. Nós dizemos: estamos dispostos a cooperar sob condições justas. As mesmas condições, e num campo nivelado. A segunda observação diz respeito aos defensores da guerra e aos sionistas...

Spiegel: ... seu eterno inimigo de conveniência...

Ahmadinejad: ... cuja existência se alimenta da tensão e que enriqueceram com a guerra. E há também um terceiro grupo, os intolerantes, aqueles que estão interessados apenas no poder. O maior problema de Obama é a política interna. Por um lado, os EUA precisam do Irã e devem se realinhar de uma nova maneira. Por outro lado, o novo presidente dos EUA está sob pressão desses grupos. Decisões corajosas são necessárias, e a bola está na quadra de Obama.

Spiegel: Até recentemente, suas visões sobre os EUA incluíam a convicção de que um homem negro jamais pudesse ser presidente dos Estados Unidos. É possível que o senhor tenha uma imagem equivocada e totalmente distorcida dos EUA?

Ahmadinejad: Não, não foi assim como você descreveu. Esperamos que as mudanças na política americana tenham uma natureza fundamental, e que muito mais tenha mudado além da cor. E que a política americana seja mais justa, para o benefício da África, Ásia e, principalmente, do Oriente Médio.

Spiegel: O senhor se tornou um dos jogadores políticos mais importantes na região porque se tornou um defensor da causa palestina.

Ahmadinejad: Estamos defendendo mais do que os direitos básicos dos palestinos oprimidos. Nossa proposta para resolver os conflitos no Oriente Médio é de que os palestinos possam decidir seu próprio futuro num referendo livre. Você acha que é certo que alguns países europeus e os Estados Unidos apoiem o regime de ocupação e o Estado sionista artificial, mas condenem o Irã, simplesmente porque estamos defendendo os direitos do povo palestino?

Spiegel: Você está falando de Israel, um membro das Nações Unidas que foi reconhecido mundialmente há muitas décadas. O que o senhor faria se a maioria dos palestinos votassem por uma solução de dois Estados, ou seja, se eles reconhecessem o direito de existir de Israel?

Ahmadinejad: Se eles decidissem assim, todos deveriam aceitar essa decisão...

Spiegel: ... e o senhor teria de reconhecer Israel, um país que, no passado, o senhor disse que gostaria de "varrer do mapa". Por favor nos diga exatamente o que o senhor falou e qual o significado disso.

Ahmadinejad: Deixe-me colocar assim, em tom de brincadeira: por que os alemães causaram tanta confusão no passado, permitindo que esses problemas surgissem, antes de mais nada? O regime sionista é resultado da 2ª Guerra Mundial. O que isso tem a ver com o povo palestino? Ou com a região do Oriente Médio? Acredito que devemos chegar à raiz do problema. Se não consideramos as causas, não pode haver solução.

Spiegel: Chegar à raiz do problema significa varrer Israel?

Ahmadinejad: Significa exigir os direitos do povo palestino. Acredito que isso seja para o benefício de todos, para o dos EUA, Europa e Alemanha. Mas não queríamos discutir a Alemanha e as relações entre a Alemanha e o Irã?

Spiegel: É sobre isso que estamos falando. O fato de que o senhor nega o direito de existir de Israel é muito importante para as relações entre a Alemanha e o Irã.

Ahmadinejad: Você acredita que o povo alemão apoia o regime sionista? Você acredita que poderia haver um referendo na Alemanha sobre essa questão? Se permitissem que um referendo assim existisse, você descobriria que o povo alemão odeia o regime sionista.

Spiegel: Estamos confiantes que não é esse o caso.

Ahmadinejad: Não acredito que os países europeus seriam tão indulgentes se apenas um centésimo dos crimes que o regime sionista cometeu em Gaza tivesse acontecido na Europa. Por que os governos europeus apoiam esse regime? Eu já tentei explicar isso para você antes...

Spiegel: ... quando discutimos sobre sua negação do Holocausto há três anos. Depois da entrevista, enviamos um filme da Spiegel TV sobre o extermínio de judeus durante o Terceiro Reich. O senhor recebeu o DVD sobre o Holocausto, chegou a assisti-lo?

Ahmadinejad: Sim, recebi o DVD. Não não quis responder a vocês sobre esse assunto. Acho que a controvérsia sobre o Holocausto não é um assunto para o povo alemão. O problema é mais profundo do que isso. A propósito, obrigado novamente por virem. Vocês são alemães, e tenho os alemães em alta conta.

Spiegel: O senhor tem alguma mensagem para o governo alemão?

Ahmadinejad: Enviei uma carta para a chanceler Merkel há três anos, na qual eu enfatizava a importância de nossas relações históricas, culturais e econômicas e pedia para a Alemanha exercitar uma maior independência.

Spiegel: O Irã terá eleições presidenciais em 12 de junho. O senhor é considerado o favorito. Acha que vai vencer?

Ahmadinejad: Vamos ver o que acontece. Nove semanas é muito tempo. Em nosso país, não há vencedores e, portanto, não há verdadeiros perdedores.

Spiegel: Se o senhor for reeleito, será o primeiro presidente da República Islâmica do Irã a apertar a mão de um presidente norte-americano?

Ahmadinejad: O que você quer dizer?

Spiegel: Senhor presidente, obrigado pela entrevista.

Fonte: UOL

2 comentários:

Anônimo disse...

Esse Presidente e nosso!!!!!
incrivel a teimosia desta revista
alemã em favor do sionismo, que
mer.a
edusãopaulistano

Renata disse...

Realmente, incrível a teimosia da revista em favor do sionismo.